Autor: J. C. Paixão Cortes
Há dias comentando com o grande vate da nossa poesia regionalista, Glauco Saraiva, sobre a importância que o gaúcho dá à faca e suas múltiplas utilidades, reunimos juntos uma série de anotações, das quais extraí em síntese as seguintes:Do paleolítico à idade dos metais, a faca acompanha a história da humanidade.
Aço... Damasco, Toledo, lança, espada, adaga e faca. Impérios, conquistas, invasões, vitórias, derrotas, domínios... assim o homem escreveu a própria história.
Na América... espanhóis e portugueses. A lança e as espadas definiram as fronteiras sul-americanas. A miscigenação racial e o meio plasmaram os tipos humanos.
O Pampa e a guerra, e o pastoreio. Gaúcho, tipo característico da América do Sul.
Peleia, faca, adaga, boleadeiras e mango.
Dificilmente definiríamos a história social do gaúcho, sem a complementação da faca. Na luta, no trabalho, nas lides domésticas, nas artes campeiras, na lenda, na superstição.
Da infância da terra à maturidade histórica, a faca é uma constante na vida do gaúcho primitivo, tirou as botas "garrão de potro" e nestas aprestilhou as velhas esporas "nazarenas" com rosetas pontiagudas que impulsionaram o cavalo.
Com a faca talhou o couro para retovar as três pedras das boleadeiras, indispensáveis outrora nas lides campeiras e temíveis na guerra. E atou a faca na ponta de uma taquara, quando os clarins reclamaram as lanças crioulas nas extremaduras da Pátria.
O gaúcho primitivo desprezou a arma de fogo e a nobreza da luta estava no ferro branco.
Com a faca o gaúcho agrediu e defendeu. Faca "voluntária" numa peleia... Faca que, debaixo dos pelegos, tranquiliza o sono.
Com a faca o gaúcho cortava a própria melena ou "aparava trança de china". Tosava de cola e crina e aparava os casos do pingo nas vésperas de carreira.
O guasca enamorado, com a faca apanhou a flor que ofereceu à sua amada. Beijando a cruz da adaga o guasca traído jurou vingança. E o "aço que canta" corcoveava na bainha bordada de flores.
Com a faca o gaúcho falquejou a canga para os bois puxarem as estradas do Rio Grande.
Carneadeira, chavasca, prateada, língua de chimango, ferro branco, choco, xerenga... seja qual for a denominação popular, a faca, o facão e a adaga estão incorporados à vida do homem sul-rio-grandense.
É tal a sua utilidade que no campo ou na cidade, o gaúcho que se preza tem sua faca à mão.
A faca sangra a rês. Coureia, longueia, carneia, prepara a costela para o assado e o couro pra o laço: corta o churrasco e apara os tentos. Enquanto o piá com sua faquinha prepara a forquilha para o bodoque, a velha, na cozinha corta o charque para o "arroz de carreteiro".
Em noites de São João, a gauchinha crava a faca no tronco da bananeira, para antecipar a sorte. Com a faca cortando a terra o campeiro "vira o casco", cruzando dois capinzinhos sobre a simpatia infalível.
Faca não se dá. Faca se vende mesmo de presente, pela moeda de menor valor. E o amigo paga para não perder a amizade.
É com a faca que o gaúcho corta o "amarelinho" para tragar as introspecções do cismarento cigarro de palha.
Com a faca o gaúcho pelejou em entreveros revolucionários, corpo a corpo; dançou na "faca maruja" e trabalhou, castrando o gado.
Com a faca o gaúcho falquejou a própria história do Rio Grande.
Da infância da terra à maturidade histórica, a faca prolongou o braço do gaúcho.
Do acalanto materno:
Dorme filhinho
Dorme meu amor
Que a faca que corta
Dá talho sem dor
Ao conselho paterno: "Cavalo de boa boca, mulher de bom gênio, faca de bom fio".
A faca, uma companheira inseparável do gaúcho!!!
Fonte: http://www.paginadogaucho.com.br/indu/gfb.htm